Os Reis da Estrada

0


 Com um copo de plástico cheio de café recémcoado em uma mão e um smartphone na outra, o gaúcho Deyvid Hamerski, de 31 anos, troca mensagens com a pequena Maria Fernanda, sua única filha de apenas 5 anos, que mora com a mãe em Guarani das Missões, a cerca de 500 quilômetros de Porto Alegre (RS). Entre fotos e histórias da última viagem, o pai coruja faz uma promessa arriscada: “Chego no domingo e passo a Páscoa com você.” Mensagem enviada e Hamerski já não conseguia mais esconder a ansiedade. Ele havia encostado seu Scania R380 no Terminal de Cargas Fernão Dias, em Guarulhos (SP), pouco antes do dia raiar na quinta-feira pré-feriado e poucas horas depois já tinha percebido que não seria fácil cumprir sua promessa, pois dependia de arrumar uma carga que pagasse pelo menos os custos da viagem de 1,3 mil quilômetros até sua cidade natal. “Mesmo quando eu atraso, quando ela me vê sinto que sou o herói dela, do mesmo jeito que eu fazia com meu pai e ele com o pai dele”, conta o caminhoneiro, que há dez anos roda o Brasil lutando contra o cansaço e a saudade. Deyvid é a terceira geração dos Hamerski que ganha a vida na boleia de um Scania. Não que a pequena cidadezinha gaúcha tenha oferecido muitas opções em outras profissões, mas a memória do pai chegando com seu 113 na rua de casa depois de semanas fora, marcou o rapaz. “Apesar da saudade e dos perigos, não tem prazer maior do que estar ao volante e conhecer as paisagens mais lindas desse Brasil”, explica Hamerski.

Em cada trecho, parada ou terminal de cargas país afora, existem vários Deyvids cheios de saudades, incertezas, parados em locais precários e até perigosos, mas sempre com disposição para o trabalho, pois se cidades pequenas como a dos Hamerski não oferecem uma boa variedade de empregos, eles sabem que com um caminhão as oportunidades tomam o tamanho do Brasil. Sobre o caminhoneiro brasileiro, duas coisas que podem ser ditas com uma certeza: cada boleia carrega uma história única e não falta paixão em nenhuma delas. Todo esse amor pela função talvez seja o motivo pelo qual a profissão sobrevive há tanto tempo, em condições muito distantes das ideais. Mesmo assim, o estereotipo clássico do caminhoneiro vem passando por uma lenta, porém profunda, transformação nos últimos anos. De acordo com a Pesquisa Perfil do Caminhoneiro 2016, publicada pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT) em fevereiro, o profissional no comando das carretas hoje tem em média 45 anos de idade, roda cerca de 10 mil quilômetros mensais para faturar em torno de quatro mil reais e trabalhar cerca de 11 horas diárias. Os números, que ainda não são motivo de grandes comemorações, melhoraram muito na última década, principalmente no quesito dinheiro no bolso, já que se equiparam com o de outras carreiras, inclusive as que exigem um nível técnico muito mais elevado.
Mas uma coisa é certa: ser caminhoneiro não é uma profissão para qualquer um. A missão é feita sob medida para pessoas com espírito aventureiro. “Conheci Manaus, andei de balsa e realizei um sonho antigo de ver a Amazônia. Só não foi melhor porque não pude levar minha esposa. É proibido”, conta Diego Lopes, de 29 anos, que a bordo do seu quarto caminhão Scania, um modelo 112, já conheceu mais de 200 cidades pelo Brasil. “A saudade é o que mais atrapalha, mas por outro lado faz a chegada em casa ser sempre mais gostosa”, explica. Pois é, ser um desbravador do asfalto é uma jornada solitária. Coragem também é pré-requisito obrigatório no currículo. Não é raro encontrar motoristas que já tenham escapado de acidentes graves, perdido a carga em assaltos ou passado noites a fi o dormindo em lugares onde a maioria nem diminuiria a velocidade para passar. O cenário é intimidador, mas a pesquisa da CNT também mostrou que quase a totalidade deles não trocaria a profissão por causa da oportunidade de sempre conhecer lugares e pessoas novas.
“Dentro do meu caminhão eu sou livre”, orgulha-se Maurício Clemente dos Santos, de 54 anos e que dirige um Scania LK 111 S, de 1980, há quase 10 anos. “Mesmo com todos os obstáculos e desaforos da estrada, quando meu fi lho sobe na boleia ele me vê como o pai mais legal do universo. Para as crianças existe uma mística em ser caminhoneiro. Esse orgulho serve de combustível para mim”, explica Santos.
Apesar dos mitos em torno da profissão, o caminhoneiro moderno tem que reunir um leque bem mais amplo de habilidades para lidar com as novas exigências do mercado e usar a seu favor toda a tecnologia embarcada dos caminhões. Para o diretor geral da Fundação Adolpho Bósio de Educação no Transporte (Fabet), Luís Carlos Schaurich, o empresário do transporte já não abre mão de ter um funcionário capaz de proteger seu patrimônio e que realize as operações com o menor custo operacional possível. “Não basta mais simplesmente saber dirigir e conhecer as rotas. O caminhão hoje é uma ferramenta de trabalho com tecnologia de ponta e o motorista é o operador.
O empresário não fará um investimento de algumas centenas de milhares de reais em uma carreta para entregar nas mãos de um profissional sem preparo”, reforça o executivo da entidade que já capacitou mais de 45 mil profissionais do volante. As Casas Scania, que estão distribuídas em mais de 100 pontos em todo o país, também oferecem treinamentos aos motoristas para qualificar esse profissional e fazer com que ele conheça todos os diferenciais do caminhão Scania. “O aprendizado ajuda os motoristas a reduzir o consumo de combustível, melhorar a segurança nas estradas e preservar os componentes do veículo”, explica Celso Mendonça, gerente de Desenvolvimento de Negócios da Scania no Brasil. Quebrar essa barreira, no entanto, ainda não é tarefa das mais fáceis. “Mesmo sabendo da importância dos cursos, os motoristas mais antigos só nos procuram quando são enviados pelos empregadores e gastamos horas preciosas só para explicar que vivemos em um mundo novo”, reforça. Os cursos mais procurados são os de Direção Defensiva, para evitar acidentes e assaltos, e Direção Econômica, para otimizar o consumo de combustível e diminuir a necessidade de manutenções. “A busca espontânea pelo diploma parte dos mais jovens que querem entrar na profissão, pois sabem que não vale a pena bater na porta das empresas sem esses requisitos”, explica Schaurich, que reforça ainda que um motorista capacitado reduz em 15% o consumo de combustível de um caminhão e baixa em até 50% os sinistros. “Com esse conhecimento em mãos, ele acaba abatendo do custo operacional o valor do seu próprio salário”, finaliza. Essas habilidades tornam-se ainda mais valiosas em momentos de ritmo econômico baixo, como o que afeta o setor no último ano, quando sobram profi ssionais no mercado e o valor do frete fica defasado. Assim, tem mais chances aquele motorista que consegue fazer mais gastando menos.
Hoje, estima-se que existam pelo menos 35 mil motoristas ociosos no mercado e que o preço pago no frete para as transportadoras é 13% menor do que deveria, segundo dados da Confederação Nacional do Transporte. O presidente da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística), José Hélio Fernandes, também endossa que a mão de obra é um dos principais insumos nos custos das empresas de transporte, seguida bem de perto pelo gasto com combustível. No último estudo do INCT (Índice Nacional do Custo do Transporte), realizado pela NTC e relativo a 2014, só os salários tiveram um aumento de 9%. Porém, além do custo efetivo da contratação, a conduta do motorista impacta diretamente no consumo de combustível, manutenção dos caminhões, frequência de troca dos pneus, na prevenção de acidentes e minimização de problemas com roubos. “Esses dois últimos sendo os mais delicados por envolverem questões fi nanceiras, judiciais e de imagem da empresa”, alerta. Assim, é fácil notar que o motorista de caminhão é peça central em uma cadeia produtiva evoluída e que gera muitas riquezas no país, mas que ainda depende da sua expertise de campo. E mesmo fora da estrutura das grandes empresas, as habilidades de um caminhoneiro vão além das necessárias apenas para guiar sua máquina. O motorista autônomo faz as vezes de administrador e empreendedor e o caminhão serve de casa e empresa. “Fico quase dois meses direto na estrada. Tenho que saber quais fretes compensam, que caminhos são os melhores e mais seguros, cozinho, arrumo a cabine e ainda cuido das finanças”, conta Acindino Constante de Abreu, de 59 anos e que desde 1976 viaja a bordo de caminhões Scania. Assim como Abreu, mais de um milhão de caminhoneiros autônomos – quase 70% do total de motoristas nas estradas, guiam todos os dias suas empresas pelo Brasil. Com eles viajam responsabilidade e experiência adquiridas ao longo dos trechos, sozinhos e muitas vezes guiados pelo próprio instinto. E mesmo entre todos os obstáculos (e buracos) encontrados pelo caminho, carregam nas costas, ou melhor, na carroceria, o crescimento do país.
Fonte: Scania

Nenhum comentário:

Postar um comentário