Caminhoneiros cobram até 50% mais caro para trazer cargas de fora para o Rio

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Estacionado diante do depósito de uma grande rede de supermercados do Rio, em Realengo, João (nome fictício) aguarda o caminhão ser descarregado — nele, estão R$ 32 mil em pacotes de macarrão. De repente, dois homens armados rendem o motorista e o obrigam a seguir para o Chapadão, um trajeto que, no trânsito congestionado de início da noite, pode levar mais de meia hora. No caminho, ao passar próximo a uma comunidade dominada por uma facção rival à dos assaltantes, o veículo é “alvo de centenas de disparos de arma de fogo”, como consta no registro de ocorrência feito na 39ª DP (Pavuna). Mais de 40 tiros de fuzil atingem o caminhão, que consegue seguir adiante mesmo com os pneus furados.
— Achei que fosse morrer. Transporto cargas há nove anos e nunca tinha me acontecido nada parecido. Já avisei que não volto ao Rio tão cedo — desabafa João, morador do interior de São Paulo.





Ficar sob a mira de uma arma em solo fluminense tornou-se tão comum que caminhoneiros de outros estados passaram a cobrar mais para vir ao Rio. Segundo a Federação dos Motoristas de Transportes Autônomos de Carga do Estado de São Paulo, o valor pago por serviços semelhantes chega a ficar 50% mais caro.
— Além disso, no caso do Rio os caminhoneiros exigem o pagamento de 70% do valor do frete já na saída da mercadoria, e o restante no ato da entrega. A praxe é que isso seja feito meio a meio — acrescenta Haroldo Araújo Christensen, diretor da entidade.





A explosão nos roubos levou a outras mudanças na logística de transporte. Como em alguns casos os assaltantes levavam até mesmo o dinheiro recebido a cada entrega, já há quem trabalhe exclusivamente com boletos bancários.
— Tenho um botão aqui na minha sala e posso travar o caminhão a qualquer momento, mas é a vida do motorista que está em jogo — revela um empresário, pedindo para não ser identificado.

Em 90 minutos, macarrão já era revendido
João foi rendido em 6 de abril, por volta das 18h. Após descarregarem a carga, dentro do Chapadão, em Costa Barros, os bandidos liberaram o motorista. Uma hora e meia depois, enquanto ele ainda registrava ocorrência na delegacia, pacotes do macarrão já eram vendidos no ramal Belford Roxo da SuperVia — como o EXTRA revelou no primeiro dia da série, a linha virou um feirão de produtos roubados.
Às 19h35, logo após embarcar na estação Agostinho Porto, um camelô do crime oferecia três embalagens de 500 gramas por R$ 5. O desconto em relação ao preço habitual (cerca de R$ 2,75 à unidade) era de 40%. Nos dias seguintes, no mesmo ramal, itens da carga tomada de João seguiam sendo redistribuídos nos vagões.

Remédios, insônia e terapia
A insegurança ao transportar cargas pelas ruas do Rio transformou-se em risco de vida quando o motorista Jair (nome fictício), de 43 anos, foi perseguido por bandidos, de madrugada, ao passar pela Avenida Brasil. Naquela ocasião, no início do ano passado, o frete dos eletroeletrônicos estava sendo feito sem escolta, ao contrário do que ocorre normalmente.
Primeiro, homens numa moto o abordaram na altura da Penha, e ordenaram que ele os seguisse. Quando os assaltantes emparelharam, Jair contrariou os protocolos de segurança e disse que a carga era de verduras. Não adiantou. Já próximo ao Complexo do Alemão, com medo da reação dos criminosos ao descobrirem a mentira, o motorista tentou fugir do bando, que abriu fogo de imediato. Durante a perseguição, ao avistar uma viatura da PM, o caminhoneiro enfim pôde pedir socorro. Os ladrões seguiram adiante, mas não sem antes lhe apontarem as armas e vociferarem ameaças.




Desde então, Jair usa medicamentos controlados, tem ataques de pânico, sofre de insônia e faz acompanhamento psicológico. O trauma, contudo, parece longe de ser superado.
— Pedi demissão, mas o que sei fazer é dirigir caminhão. Não levo mais eletrônico, agora só alimentos, mas está ficando tão perigoso quanto — lamenta.

Caminhoneiros sofrem ameaças constantes nas estradas
Caminhoneiros sofrem ameaças constantes nas estradas Foto: Reprodução

‘Sofri 18 assaltos em dois anos’
Depoimento do caminhoneiro José (nome fictício), de 49 anos
"Trabalho com isso há 16 anos e sofri 18 assaltos só nos últimos dois. Sinto medo quando pedem para trocar de roupa comigo e com o ajudante, como se eles fossem os trabalhadores e nós os bandidos. Se houver uma abordagem policial, seremos os primeiros a morrer."

Fonte: Extra




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